24 de março de 2016

Histórias para contar…

RESUMO DA ÓPERA

Para quem deixar minhas histórias que são estórias. Por que fizeram essa distinção? Não são estórias, é a minha história. Mas a quem ela interessa? Fui eu quem as viveu. Terão serventia para outros além daqueles que me são próximos ou servirão para nortear outras vidas que não me conheceram.
Darão mesmo um norte a elas? Ou poderão ser um leste, um oeste ou mesmo um sul…

São e serão fatos de uma história que se constrói desde meu nascimento. Como gostaria de lembrar-me dele. Em qual gaveta guardados estão os primeiros contatos que tive com minha existência…Por que não se abrem as gavetas e nos trazem à lembrança como foi a alegria de meus pais com minha vinda, o ciúme do meu irmão que preferia um irmãozinho para com ele jogar bola ou ainda a satisfação de minha avó paterna por enfim ter uma neta menina, depois dos três primeiros netos? Mal sabia ela que com a convivência de primos homens esta neta jamais seria a bonequinha que ela tanto almejava. Do lado materno, por oito anos só nasceram meninos e, do paterno, dos seis primeiros, eu a quarta, única menina. Com quem brincaria? Que brincadeiras iria gostar…e os belos vestidos enfeitavam o guarda-roupa…e lá ia eu de shorts e blusinha brincar com a molecada…às vezes, cobaia de experimentar brigadeiro de barro…e todas as outras brincadeiras de então…
Bonecas, junto aos vestidos.

Enfim, nasci e me criei em Presidente Prudente, cidade do interior de São Paulo, no sudoeste daquele estado, 700km distante da capital por estrada de ferro, que era a melhor ligação àquela época. A rodovia somente ficaria totalmente asfaltada e distando 560km quando eu tinha 12 anos.
Eu nasci em 1948, no final da primeira metade do século passado. Nem por isso, durante minha infância, mesmo não sendo de família rica, deixamos de ir várias vezes à praia. Nossa praia era a cidade de Santos, alguns quilômetros ainda adiante de São Paulo. Viagens fantásticas. Íamos de trem até São Paulo, de lá para Santos, inicialmente também de trem, creio que pela Estrada de Ferro Santos-Jundiaí, cujos trens, para descer a serra do Mar usavam um sistema de cremalheira e, posteriormente de ônibus.
Quantos passeios, todos repetidos a cada vez que lá estávamos, o Aquário, o Orquidário, o Museu do Mar, a visita a navios ancorados no porto, o Monte Serrat ao qual subíamos pela escadaria onde haviam as estações que representavam o calvário de Cristo, onde nos víamos magros e gordos, altos e baixos, na Sala dos Espelhos Mágicos e descíamos pelo bondinho, também com sistema de cremalheira.
E a nos esperar a magia da cidade a beira mar a nos oferecer o espetáculo do Oceano Atlântico à nossa frente e o imaginário a nos levar a nadar até alcançarmos a África. Os bondes trafegando pela cidade. Os fechados que nos levavam para o centro da cidade, os abertos como jardineiras antigas, na orla marítima nos levavam a São Vicente, refrescar a sede com a água fresca da biquinha, saborear cocadas e biscoitos de polvilho e ver o marco da chegada da expedição de Martin Afonso de Souza, com objetivo de posse e colonização de nosso país. Estávamos em uma ilha, para ir ao continente algumas vezes também cruzamos a Ponte Pênsil, tudo uma aventura e lá íamos felizes a Bertioga pelo ferryboat, a Peruíbe, de trem. Posso resumir, infância feliz!!!

Muitas lembranças dessas viagens ao litoral. Minha mãe, uma heroína. Levava-nos a descobrir o mundo fantástico que existia além de nossa casa. De todas desse período, uma volta, em especial, ficou marcada. Saímos de São Paulo, a viagem demorava 18 horas. Conosco estava uma prima que desembarcaria em Ourinhos. Viajávamos na cabine leito. Quando acordamos, aproximadamente no horário em que ela desembarcaria, achamos que haviamos perdido a hora, ao que minha mãe nos disse que o trem estava parado desde a meia noite. A causa, a queda de barreiras. Estávamos parados em um lugarejo de apoio aos trens, onde nada havia a não ser uma plantação de abacaxi. O trem não estava abastecido de alimentação, o que somente aconteceria na cidade de Botucatu e naquele local ficamos durante 24 horas, pois não dava para retroceder porque barreiras também haviam caído. Esse foi o tempo de atraso do trem…Como iríamos viajar de trem onde havia vagão restaurante e voltávamos das férias, não levávamos matula…A custo de muita conversa minha mãe conseguiu um prato de salada de batatas que meu irmão juntamente com meu primo e eu, devoramos. A plantação de abacaxi foi dizimada pelos ocupantes do trem…e, apenas às 6 horas da tarde, dezoito horas depois de estarmos parados a Estrada de Ferro Sorocabana conseguiu trazer através de um trolezinho, sanduíches de pão com mortadela e alimentar os passageiros…Aventura inesquecível. Ficou conhecido e assim saiu na imprensa: “o trem da fome”!!!

Da juventude, também não muito diferente, somente com menos idas à praia. Nessa ocasião, início dos anos 60, meu pai adquiriu uma propriedade rural e foi voltada a ela que centralizamos nossa vida. Foram muitos encontros de familiares e amigos. As idas à praia diminuíram mas tempos até mais felizes continuaram a nos acompanhar.
Como esquecer os primeiros tempos em que para se chegar à fazenda a condução de que dispúnhamos eram os ônibus que faziam o trajeto entre os vilarejos do município, quase umas jardineiras…descer na estrada e caminhar até chegar à casa.

A porteira merece ser lembrada. Distava 400 metros da casa e fazíamos excursões noturnas até ela para avistar as cidades circunvizinhas, conseguíamos distinguir 17 localidades. A única que não se avistava era Presidente Prudente, para vermos as luzes de nossa cidade precisávamos adentrar a propriedade vizinha. O único morrote que existe no município tapava nossa visão da cidade que nos abrigava. Desta forma, víamos as luzes de municípios da região, até mesmo da Alta Paulista como Tupã, Adamantina, Lucélia, Irapuã e Osvaldo Cruz. Mais próximos, víamos Regente Feijó, Pirapozinho, Mariápolis, Caiabu, Alfredo Marcondes, Martinópolis e outros tantos…
A compra de uma caminhonete facilitou nossa ida para o Retiro Marília. O nome da propriedade, meus pais fizeram a junção de meus dois nomes: Maria e Emília.
Assim, íamos de porta a porta, não mais descer na porteira e caminhar, apenas para abri-la e disputa de quem o faria…sempre sobrava uma moedinha…Éramos sempre em muitos e nem todos na cabine mas na carroceira cabíamos, nada de cinto de segurança, e sobrevivemos. Outras boas lembranças, os atoleiros em dias de chuva, o fogão a lenha, os lampiões a querosene e a gás, a geladeira também a querosene…o nadar na represa, somente duas horas depois das refeições…
As reuniões familiares, o comemorar aniversários, os Natais, as chegadas dos Anos Novos, o receber amigos. Juntar a família!!!

E os nossos quitutes, época de goiaba, sair com cestas pelo pasto em busca das goiabeiras e preparar o doce de todas as formas cujos conhecimentos minha mãe e minhas tias nos transmitiam e saiam potes com goiaba em calda, em massa e geléias, destas a mais cobiçada a geléia do pingo. Cuja arte de confecção elas eram detentoras. Preparava-se a goiaba para fazer o doce e antes de colocar o açúcar essa massa era colocada em um saco de pano branco para ficar pingando o caldo durante a noite, somente então se apurava com açúcar o qual se transformava numa geléia tão fina que se assemelhava a um mel de goiaba, era a nossa geléia do pingo…

A pamonhada. Era um dia devotado as guloseimas do milho. Desde o colher, tirar a palha e nesta tarefa já ir separando as que melhor embrulhariam o caldo para se transformar em pamonha, bem como as espigas que serviriam para cada finalidade e nesse dia se preparava milho de todas as formas que conhecíamos. Era milho cozido, assado, refogado para acompanhar o almoço. Curau, bolo e pamonha para o lanche da tarde.

Em outras ocasiões, fazia-se requeijão. Esta era obra prima de D. Judite, uma senhora cujo marido era funcionário da fazenda. Era também um preparativo ao qual ela se dedicava desde a guardar leite uns quatro dias antes e nos presenteava com o requeijão quente, o qual devorávamos fazendo uma bola com goiabada dentro. Manjar dos deuses…

Da juventude, estas lembranças vividas junto aos familiares e amigos, vem se juntar as lembranças vividas na cidade.

É a vida a continuar e histórias a deixar para as próximas gerações: filhos, netos, bisnetos e quem por aí vier.

Aguardem as cenas dos próximos capítulos da minha história de vida.

Curitiba, dezembro de 2015.
Maria Emília Tenório Arruda

Texto resultante do incentivo e orientação da
Dra. Regina Célia Celebrone

Oficina da Palavra
Espaço Vivere Bene
2015.

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